19 de agosto de 2010

O menino e o colírio

De volta à clínica oftalmológica para descobrir se, finalmente, precisaria de uma segunda cirurgia de correção de grau, enquanto aguardava ser chamada observei uma cena bastante curiosa e que me fez refletir.
Estava eu, sentadinha na última das cinco fileiras de poltronas na sala de espera e junto a outros pacientes. Uns de óculos, outros sem óculos e todos assistindo televisão. Havia uma sexta fileira de frente para a nossa, e a tal cena que nela aconteceu acabou disputando nossa atenção com a TV.
Um menino acompanhado da mãe e de sua avó, aguardava ali como os demais pelo exame que determinaria sua inclusão no grupo dos dependentes de óculos. Coisa chata para uma criança de oito anos ter que usar essas próteses visuais, que é como eu costumava chamar os meus, já que sem eles eu nada via.
Aos quinze anos eu já precisava usá-los, assim o oftalmologista recomendou à minha mãe, e naquela época e idade, claro que eu não estimava a importância daquele objeto que teimava em não permanecer na minha cara. Tanto que quebrei e perdi muitos, e portanto fiquei imaginando aquele menininho, bem mais novo, ter que lidar tão cedo com armação e lentes.
Ele precisava pingar um colírio para fazer o exame, e esse foi o problema. Ele não queria, e sendo assim, recusou-se radicalmente a aceitar as gotinhas nos olhos. A assistente parada de pé ao lado da poltrona, ele no colo da mãe, a avó suplicando para ele deixar, mas ele não deixava. O que começou com alguns nãos chorosos, evoluiu para um berreiro, tapas e golpes de perna na mãe, na avó e na assistente que deixou o frasco do colírio cair no chão.
Tudo lhe foi prometido se se deixasse usar a substância, tudo lhe foi pedido, implorado, mas ele não cedia. Sua mãe falava com calma, lhe acariciava e beijava, mas ele gritava que não, não e não.
- Por que, Rodrigo?
- Porque vai arder, mãe.
- Mas se você não pingar o colírio não vai poder fazer o exame!
- Todo mundo pinga, Rodrigo!
- Que se dane! Eu não quero!
Como convencer uma criança tão determinada? Não creio que ele imaginasse que iriam lhe arrancar os olhos, ele só não queria o colírio, somente isso. E a assitente, visivelmente sem mais paciência, pois aquilo já tinha lhe tomado uns trinta minutos, perguntou-lhe se teria que chamar outra pessoa para segurá-lo.
- Que vergonha, Rodrigo, com medo de umas gotinhas... Todo mundo aqui tá esperando por você, todo mundo já pingou, é a sua vez...
- Não quero nenhum colírio!
- Mas tem que pingar!
- Então eu deixo se fechar o olho...
- Tá, eu pingo e você abre o olho depois pro colírio entrar, combinado?
E lá se foi uma tentativa perdida, porque que o garoto não abriu os olhos.
A essa altura, todo mundo só prestava atenção no menino e sua luta corporal, e o que começou engraçado, já havia se tornado chato e irritante. Causou mal estar ver aquela criança chorar, gritar e espernear enquanto sua mãe parecia já ter desisitido de convencê-lo. Ela e a avó haviam assumido, então, o posto de observadoras, deixando todo o sacrifício para as funcionárias da clínica. A segunda assistente foi acionada, mas ninguém tampouco se comprometeu a obrigá-lo por meio da força.
A terceira tentativa radical foi ligar para o pai, coisa que a mãe disse quando pegou o celular. Mas só pegou, porque logo um pontapé infantil fez o aparelho cair bem longe. E diante de mais essa cena, ela voltou a sua poltrona e ali ficou olhando para uma e outra assistente, como se o filho não fosse mais dela, como se ele não fosse responsabilidade sua.
Aí apareceu a médica, bastante preocupada por ter que deixar seus outros pacientes esperando por causa daquilo. Ela foi até ele e disse num tom bem duro, que a escolha era pingar o colírio e fazer o exame ou ir embora. Ele queria fazer o exame, só não queria que pingassem nada nos seus olhos, e ela insistia que ele não tinha essa opção. Ou pingava ou ia embora. Ele gritou com ela e mais minutos se passavam.
Então uma outra assistente surgiu na minha frente para pingar em mim, já que eu também estava ali para isso. Não resisti e antes que ela abrisse minhas pálpebras, chamei o garoto.
- Ô, Rodrigo! Olha só como não dói! E deixei as gotinhas entrarem com ele me vendo, vermelho e cansado. Daí ele cedeu, porque toda resistência tem um fim. Os outros pacientes não chegaram a aplaudir, mas viraram-se para trás e me olharam com tanta gratidão que eu que eu não pude deixar de sorrir.
A reflexão a que eu me referi lá em cima? Foi sobre um menino manhoso e mal educado e a absoluta falta de autoridade de seus responsáveis ali. Uma criança que teve medo que chamassem seu pai, mas não teve medo de agredir as funcionárias da clínica, a médica, a avó e a própria mãe, coincidentemente, todas mulheres. Fiquei pensando que, se com oito anos ele era assim, como seria quando se tornasse um homem?

2 comentários:

  1. entretanto, vc tb é uma mulher e usou de melhor estratégia para abordar o garoto. O problema é que essas outras pessoas adultas não souberam manejar a situação e crianças preferem imitar o que um adulto faz do que dar ouvidos ao "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Torçamos pra que essa experiência transforme esse garoto num cara que, mesmo relutando a principio, acaba encarando seus medos.

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  2. Bravo!!!
    É isso aí, gerações perdidas por imitarem adultos tão perdidos quanto....

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