28 de março de 2010

Critérios

Ontem foi um sábado agradável, apesar do calor que insiste em continuar pelo outono afora. A idéia era tomar um chopp em Ipanema pra ver como andavam as coisas por lá. Movimento fraco, mas tudo muito tranquilo porque conseguimos uma boa mesa no Manuel e Joaquim, e também porque Ipanema não lembrava em nada aquele glamour do início dessa década, já que desde 2004 eu não aparecia por lá.
Como sempre acontece nesses papos de mulheres em mesa de bar, o assunto passa pelos relacionamentos, de preferência amorosos, e dessa vez me chamou a atenção as opiniões sobre os critérios da escolha de alguém a quem queremos "namorar".
As pessoas mais discretas nem sempre revelam quais os seus verdadeiros critérios. Mesmo quem jure de pés juntos não ter nenhum critério para envolvimentos, sempre mede ou avalia alguma coisa na pessoa desejada. Mas como eu estava entre amigas, pude conhecer os seus e expor os meus, que até pouco tempo atrás nem tinha tanta certeza de serem fundamentais.
Cada um tem os seus, e mesmo que a gente não se dê conta, eles existem e interferem sim, nas nossas escolhas. Pessoas carentes podem até passar por cima deles, mas eles vão acabar aparecendo ao longo do relacionamento, se este durar. E a coisa pode não acabar tão bem quanto se esperava.
Tenho um conhecido que me relatou os seus critérios de uma forma muito bem humorada. Seu medo era de, ao envelhecer, virasse evangélico e se apaixonasse por alguém do quadrilátero do terror: pobre, feio, burro e chato. Rimos bastante, mas quando penso nisso, imagino que esse seja o critério de quase todo mundo que conheço.
Eu pelo menos, dessas características, hoje em dia não me imagino com alguém que seja burro ou chato. A beleza e a riqueza não me cativam, mas o conteúdo cultural pra mim, é fundamental.
Mas eu só me dei conta disso quando namorei alguém que não me impressionou nem ou pouco em termos dessa "bagagem". Impressionou-me sim, a ausência dela, o que tornou a pessoa consequentemente chata. Porque era chatíssimo assistir a um filme cult e perceber que o outro não entendeu nem a mensagem nem a história. Foi muito chato descobrir, quando já estava envolvida, que aquela criatura não conseguia ler um livro porque lhe dava sono, e a gente perdia mais um assunto pra se conversar. Era chatésimo entrar em exposições e ver a pessoa passando pelas obras sem fazer nenhum comentário porque não percebia nada do que o artista em questão pretendia mostrar.
Não sou uma pessoa excessivamente culta, não vi todos os filmes ou obras nem li os melhores livros, mas acredito que o ser humano deve ter um pouco de sensibilidade pra lidar com sua própria existência, e a cultura ajuda muito. Interpretar, por exemplo, as mensagens que um escritor descreve colabora pra gente conhecer o concretismo da vida.
Formamos opiniões próprias prestando atenção no que acontece a nossa volta, aprendemos coisas que a escola ou universidade não nos ensina e a cultura, mesmo que muitos a considerem algo abstrato, é uma ponte para tudo isso.
Voltando aos critérios, resumimo-nos em Ipanema a concordar que estamos presos a eles, e com a idade ou maturidade, vão se tornando mais e mais complexos e percebidos e, em alguns casos, fundamentais. Já ouvi gente dizendo que não namoraria alguém que não tivesse a mesma classe econômico-social (não sei se esse hífem ainda cabe aqui). Tem gente que jura jamais se envolver com uma pessoa gorda, outros só namoram quem tem um carro, e há ainda aqueles que sempre aparecem com alguém bem mais jovem.
Não me cabe julgá-los. O que procuro fazer agora é avaliar os meus critérios para que não me torne escrava deles, impossibilitando-me de conhecer pessoas novas e diferentes. Se formos em busca da pessoa perfeita, cairemos no limbo e adotaremos um espelho por compania. Levaremos nosso espélho a todas as festas, Viajaremos com ele, compraremos duas entradas no cinema ou teatro e o colocaremos na poltrona ao nosso lado. Se insistirmos em lhe dar pipoca na boca, seremos expulsos da sala...

23 de março de 2010

O Poder

Dê o poder a alguém para que você possa conhecê-lo. Sempre ouvi essa frase mas nunca havia prestado atenção no que de fato ela queria dizer.
Hoje consigo entender muito bem esse antigo ditado. O convívio com o ser humano nos faz refletir em muitos ditados que nos passam pela vida e aos quais não ligamos muito. Mas um dia a gente pára, observa e bingo! Um deles sempre se encaixa perfeitamente na situação em que estamos.
Essa história do poder é muitíssimo verdadeira, e não falo do poder de um presidente da república (embora esse caso também possa fazer parte), mas do poder, pura e simplesmente, independente da política, condição social ou econômica. Basta uma breve possibilidade de hierarquia.
Lembro das palavras de uma amiga que me disse que as pessoas fazem QUALQUER coisa por dinheiro, sexo e poder, mas acho que de certo modo, isso é redundante. O cara que faz sexo se considera poderoso, o que tem dinheiro, mais ainda. No final, tudo que é conseguido nos torna poderosos, e essa é a parte boa. É bacana ser poderoso, ou no mínimo, sentir-se assim. Mas aqui, falo dos que ganham o poder e mudam seu comportamento desenvolvendo aqueles aspectos (humanos) desagradáveis.
É assim: o cara é humilde mas ganha um aumento de salário que possibilite a compra de qualquer coisa que outros a sua volta não podem ter. Pronto, sua postura já é outra, ele é até capaz de tripudiar dos que não conseguiram chegar lá. Se for questionado, o argumento quase sempre é o mesmo, os outros merecem ser tratados mal porque são "invejosos".
Esse é um exemplo basiquinho, mas certa vez li um artigo de um sociólogo comentando a ação da polícia no Rio. O policial é humilde, ganha mal, corre riscos. Mas faz da sua farda e, principalmente da sua arma, seu passaporte para o poder. Ele se dá ao direito, então, de maltratar seus semelhantes, entrar numa comunidade atirando sem olhar, destratando moradores inocentes e até agredindo-os. E muitos policiais moram nessas comunidades.
Essa história já tem um tempo, quando a polícia era questionada justamente por essas barbaridades e não existia ainda a tal Unidade Pacificadora. Mas isso não mudou muito não, basta ver a abordagem policial numa blitz. Tem duas versões e a diferença entre elas é o modelo do carro que é parado. Motoristas de carros mais caros têm tratamento diferenciado e geralmente são chamados de "Doutor".
Deixando de lado a polícia, um trabalhador qualquer de uma empresa qualquer recebe uma responsabilidade extra no seu trabalho. Mesmo sem ganhar por isso, ele pode se tornar o dono da verdade, pode entregar um colega que ele julgue não estar fazendo as coisas certas, ou exigir que os outros façam tudo exatamente como ele acha que tem que ser feito. E nem chefe de nada ele passou a ser...
É como uma vizinha que eu tenho. Durante anos foi a síndica do prédio e, mesmo também sem nada ganhar com isso, transformou-se num verdadeiro xerife. Somente as decisões dela eram válidas, tudo tinha que passar por suas mãos e suas idéias eram as únicas a serem postas em prática. Fiquei muito deprimida quando ela derrubou um coqueiro que já estava na altura da minha janela, lindo, cheio de cocos e servindo de abrigo para os pardais. Tudo bem, ganhei uma vaga para um carro que não pretendo ter

10 de março de 2010

A fé fake

Ainda sobre a história da fé. É meio difícil pra mim me fazer compreender quando digo que não sigo nenhuma religião. Vivemos num país religioso e o sincretismo é quase absoluto, portanto as pessoas não entendem a minha opção. Acham que eu TENHO que acreditar em alguma coisa e muitos ainda acham que a sua religião é a certa.
Que troço difícil. E quanto mais eu convivo com eles, mas me questiono se essa fé é, realmente, autêntica.
Nunca li a bíblia, mas sei que muitas das suas mensagens foram decodificadas com o tempo, e muitas são exatamente iguais as mensagens de religiões diferentes da católica.
Outro dia recebi um e-mail daqueles enjoados, no Power Point, ditando princípios para que possamos ter uma vida melhor, nada diferente do que já vi por aí, pois as muitas religiões se apropriam desses "conselhos" e a gente fica se perguntando qual delas, de fato, lançou a primeira idéia.
Os princípios são sempre iguais, sempre levam ao mesmo lugar. Seja bom com seu irmão, faça o bem ao próximo, sorria, seja gentil, verdadeiro, olhe nos olhos e por aí vai. Podem simplesmente fazer parte de preceitos budistas, por exemplo, mas também se aplicam a qualquer outra doutrina que pregue a fraternidade, o bem viver, o amor, a paz... Não importa, o fato é que eu sei de tudo isso e tento buscar, sempre que posso, viver bem com meus semelhantes, independente de uma religião.
Tento seguir essas regrinhas básicas e muitas vezes, percebo que muita gente que me critica pelo meu desapego religioso, é incapaz de segui-las. Tem gente que enche o peito pra dizer que vai à missa, conhece toda a história de Cristo, ouve os sermões do padre, mas mente, trapaceia, é desleal com seu próximo. Outros são espíritas, participam das reuniões em seus centros, assumem compromíssos ferrenhos com isso mas não consegue ouvir o que um semelhante tem a dizer, quando necessário. E pra não dizer que esqueci dos envagélicos, com todo o seu leque de opções doutrinárias, são os que mais me incomodam. A maioria tripudia das crenças diferentes da sua, a maioria cria barreiras de convivência, a maioria fica amarrada aos jargões dos pastores e freia o seu próprio desenvolvimento como ser humano. E, a grande maioria, também não sabe lidar com as tais regrinhas, visto que existe, subliminarmente, um apego exclusivo ao dinheiro. Fato é que, ouvindo aqui da minha casa as falas dos pastores da Universal, percebo o quanto eles estimulam os crentes a subir na vida, a ganhar mais e mais dinheiro. Nada contra, absolutamente, mas sabendo que parte desse dinheiro conquistado vai para os cofres da igreja, entendo o porque desse estímulante sermão.
Sendo assim, prefiro continuar na minha e tentar não ligar pra religiosidade à minha volta. Pretendo continuar sendo verdadeira, honesta, tratando todos da mesma forma, independente de sua situação social ou financeira, pois muitos dos que dizem ter fé e pregam o bem ao próximo, se mostram presos ao preconceito de raça, cor, bairro, profissão, nível de escolaridade e por aí vai.

3 de março de 2010

Reencontros

Como seria um reencontro? Um com alguém que a gente muito amou, com quem viveu loucuras, com quem nos descobrimos e que se descobriu conosco...
Sempre pensei nisso, e tenho certeza de que todo mundo pensa em reencontrar um daqueles amores do passado, quando se era, talvez, um pouco diferente do que se é agora.
Foi numa festa que eu tive esse reencontro. Era algo que eu sempre desejei mas nunca esperei, alguém que eu tinha vontade de ver, de falar, mas não tinha a menor idéia de como seria isso.
Pois aconteceu, e verdade seja dita, eu me emocionei até as lágrimas de felicidade por saber que o "alguém" estava vivo, bem, e sendo a mesma pessoa bacana de mais de vinte anos atrás.
Li em algum lugar que o amor não acaba nunca, ele apenas se transforma, e nosso coração está sempre se dilatando pra receber novos amores. Também sei que, muitos desses novos amores passam rapidinho, porque na verdade talvez nem sejam amores, apenas paixão ou admiração que nos confundem por um capricho de nossas carências.
Batendo papo com amigos, já fui perguntada se realmente amei uma ou outra pessoa. E eu confesso que muitas vezes, não sabia a resposta. Geralmente esses questionamentos acontecem quando o namoro termina recentemente, e a gente não tem ainda o devido tempo pra processar o que, de fato, aconteceu com nosso coração.
Mas eu tive exatos 28 anos pra saber o que se passou com o meu, e a emoção foi, definitivamente, por ter essa certeza e felizmente, pela capacidade de ter amor dentro dele.
Não houve nenhum engano, nehuma carência, nenhum capricho. O amor existiu e existe até hoje, ele não acaba nunca, mesmo que transformado ou (já li isso também) disfarçado de alguma outra coisa. Não importa, ele está lá e pode nos fazer imensamente felizes, basta que o cultivemos com bons pensamentos, boas lembranças e bons fluidos.
Como aquela famosa cena final de Ghost, nós levamos o amor conosco, pra onde quer que a gente vá. Isso, claro, porque uma vez verdadeiro dentro de nós, ele nunca sairá.

1 de março de 2010

O menino que domou o vento

Adoro quando recebo histórias bonitas, como essa do menino africano que vou reproduzir agora:


"Escondido entre Zâmbia,Tanzânia e Moçambique, o Malauí é um país rural com 15 milhões de habitantes. A três horas de carro da capital Lilongwe, a vila de Wimbe vê um garoto de 14 anos juntando entulho e madeira perto de casa. Até aí, novidade nenhuma para os moradores. A aparente brincadeira fica séria quando, dois meses depois, o menino ergue uma torre de cinco metros de altura. Roda de bicicleta, peças de trator e canos de plástico se conectam no alto da estrutura e, de repente, o vento gira as pás. Ele conecta um fio, e uma lâmpada é acesa. O menino acaba de criar eletricidade.
O menino e a importância de suas descobertas cresceram. William Kamkwamba, agora com 22 anos, já foi convidado para talk shows, deu palestras no Fórum Econômico Mundial, tem site oficial, uma autobiografia - The Boy Who Harnessed the Wind (O Menino que Domou o Vento, ainda inédito no Brasil) - e um documentário a caminho. O pontapé de tamanho sucesso se deve a uma junção de miséria, dedicação, senso de oportunidade e uma oferta generosa de lixo.
Em termos de geração e consumo de energia elétrica, o Malauí é o 138º país do mundo

Uma seca terrível no ano 2000 deixou grande parte da população do Malauí em situação desesperadora. Com as colheitas reduzidas drasticamente, as pessoas começaram a passar fome. "Meus familiares e vizinhos foram forçados a cavar o chão pra achar raízes, cascas de banana ou qualquer outra coisa pra forrar o estômago", diz Kamkwamba. A miséria o impediu de continuar na escola, que exigia a taxa anual de US$ 80. Se seguisse a lógica que vitima muitos rapazes na mesma situação, o destino dele estava definido: "Se você não está na escola, vai virar um fazendeiro. E um fazendeiro não controla a própria vida; ele depende do sol e da chuva, do preço da semente e do fertilizante" , diz Kamkwamba.

Para escapar dessa sentença, começou a frequentar uma biblioteca comunitária a 2 km de sua casa. No meio de três estantes com livros doados pelo Reino Unido, EUA, Zâmbia e Zimbábue, Kamkwamba encontrou obras de ciências. Em particular, duas de física. A primeira explicava como funcionam motores e geradores. "Eu não entendia inglês muito bem, então associava palavras e imagens e aprendi física básica." O outro livro se chamava Usando Energia, tinha moinhos na capa e afirmava que eles podiam bombear água e gerar eletricidade. "Bombear um poço significava irrigar, e meu pai podia ter duas colheitas por ano. Nunca mais passaríamos fome! Então decidi construir um daqueles moinhos."

Você está fumando muita maconha. Tá ficando maluco." Era isso que Kamkwamba ouvia enquanto carregava sucata e canos para seu projeto. "Não consegui encontrar todas as peças para uma bomba d'água, então passei a produzir um moinho que gerasse eletricidade. " Seu primo Geoffrey e seu amigo Gilbert o ajudaram, e após dois meses as pás giravam. O gerador era um dínamo de bicicleta que produzia 12 volts, suficientes para acender uma lâmpada. As pessoas próximas a ele só acreditaram em sua conquista quando ele ligou um rádio, que na hora tocou reggae nacional. "Fiquei muito feliz. Finalmente as pessoas reconheceram que eu não estava louco."

"Conseguimos energia para quatro lâmpadas, e as pessoas começaram a vir carregar seus celulares", diz. No Malauí, a companhia telefônica se recusou a fornecer infraestrutura para as vilas, e as empresas de celulares chegaram com torres de transmissão e baratearam os aparelhos. Por isso, hoje há mais de um milhão de aparelhos celulares no país, uma média de oito para cada cem habitantes.

"Bombear um poço significava irrigar. meu pai podia ter duas colheitas por ano. Nunca mais passaríamos fome! Então decidi construir um daqueles moinhos."

A história chegou aos ouvidos do diretor da ONG que mantinha a biblioteca. Ele trouxe a imprensa, e o menino foi destaque no jornal local. E daí alcançou o diretor do programa TEDGlobal, uma organização que divulga ideias criativas e inovadoras que convidou Kamkwamba para uma conferência na Tanzânia. O jovem aumentou o primeiro moinho para 12 metros de altura e construiu outro que bombeia água para irrigação. "Agora posso ler à noite, e minha família pode irrigar a plantação", diz.
Depois de cinco anos, com ajuda daqueles que descobriram sua história, Kamkwamba voltou à escola. Passou por duas instituições no Malauí, estudou durante as férias no Reino Unido e agora cursa o segundo ano da African Leadership Academy, instituição em Johannesburgo que reúne estudantes de 42 países com o intuito de formar a próxima leva de líderes da África.
Apesar de não ter mudado em nada a sua humildade, o sucesso e as oportunidades de estudo tornaram mais ambiciosos os planos de Kamkuamba: "Quero voltar ao Malauí e botar energia barata e renovável nas vilas. E implementar bombas d'água em todas as cidades. Em vez de esperar o governo trazer a eletricidade, vamos construir moinhos de vento e fazê-la nós mesmos".


Escrito por William Kamkwamba em conjunto com o jornalista Bryan Mealer, The Boy Who Harnessed the Wind foi lançado em 29 de setembro nos EUA e ficou entre os dez mais da livraria virtual Amazon
Confira a entrevista com William Kamkwamba:
http://revistagalil eu.globo. com/Revista/ Galileu/1, ,EDG87250- 8489,00.htmL