21 de janeiro de 2011

Ainda a solidariedade

Se a preplexidade produzida pelos atos insanos e de má fé dos seres humanos causasse uma doença, por mais simples que ela fosse, eu estaria morta.
Prometi que sempre postaria alguma coisa sobre essas atitudes enlouquecidas, senão quem enlouqueceria seria eu. E aqui vai mais uma.
Estava eu trabalhando como voluntária na Cruz Vermelha no Centro do Rio, em decorrência das enchentes da Serra, que muito me abalou. Lá na Cruz Vermelha o trabalho é pesado, mas gratificante. É gente pra todo lado, e todos fazendo alguma coisa, ajudando naquilo que lhe é possível.

Tem corrente humana, onde os donativos que vêm dos caminhões são entregues de mão em mão até os centros de triagem. Ou dessa triagem para os caminhões, que os levam até as cidades afetadas. Tem as barracas de medicamentos, de brinquedos, de água, enfim, tudo o que as pessoas puderam doar para os sobreviventes da Serra. É gente que faz a triagem de remédios, organiza as filas, etiqueta os pacotes que vão viajar, que cozinha, que distribui água e comida pra quem está trabalhando, que limpa o chão, enfim. Todo mundo faz alguma coisa, obrigatoriamente.

Surpreendentemente, tem gente que faz até mais que isso, e o que não deveria fazer. Fiquei por um tempo no centro de triagem de roupas, que nada mais era senão abrir os sacos e caixas de donativos (roupas doadas), despejá-las em mesas toscas e ali, junto com outros voluntários, dividi-las em roupas masculinas, femininas, íntimas, infantis e de frio ( também vieram acessórios, como bonés, lenços, bolsas e afins).
Uma vez separadas dessa forma, eram feitos novos sacos, com etiquetas que indicavam o tipo de roupa que era, e que iam para um canto aguardando um outro caminhão recolher e levá-los aos seus destinos.
Essa triagem revelou que os cretinos existem, e aparecenm justamente onde não podiam aparecer. Tal qual o caso dos ladrões que tentaram desviar um caminhão de donativos em Campo Grande, ou dos comerciantes de Friburgo que supervalorizaram o preço da água, na Cruz Vermelha, em pleno funcionamento, teve gente que pegou para si algumas roupas doadas. Isso mesmo. Enquanto separavam masculinas de femininas ou infantis, achavam no meio algo que lhes agradasse e pronto. Já enfiavam nas suas bolsas com a cara de pau de alguma árvore que não está, definitivamente, em extinção.
Duas mulheres se deram ao luxo de escolher qual bermuda o sobrinho gostaria mais. Outra ficou com uma mala que havia chegado cheia de roupa e, já vazia (pelo menos), não subiria a serra.
Eu passeei pelas outras unidades, e pensei: se levavam roupas, o que eu não seria dos mantimentos, dos remédios e outras utilidades que estavam ali, aguardando para serem entregues a seus novos e necessitados donos?
Bom, isso pra não falar dos sem noção. Aqueles que doam o lixo que não lhes é mais útil. Vi roupas sujas e rasgadas, impróprias até para virarem pano de chão. Imaginei a cara dos desabrigados que perderam tudo e anseiam por uma muda de roupa nova, ao receber aquilo. Na minha triagem, ao menos chegamos a um consenso: o que estava muito ruim não ia a parte alguma senão para o lixo. Infelizmente, nem todos os voluntários tinham esse bom senso. Infelizmente, também, lá na Serra existem os privilegiados com algum QI (quem indica) que vão receber as melhores roupas, pois não tenho dúvidas de que esses pacotes, uma vez no seu destino, poderão ser abertos e uma nova triagem ser feita em favor desse ou aquele "conhecido"... Faz parte do tal jeitinho brasileiro.
Que seja. Torço para que a intenção seja a melhor possível.
Ah! Ia esquecendo (assim como esqueci de levar minha máquina) que essas imagens são dos bons fotógrafos da agência O Dia.

17 de janeiro de 2011

A solidariedade e o jeitinho brasileiro

Todo mundo está perplexo e assustado diante da tragédia da Serra. Mesmo quem nunca tinha estado num dos lugares afetados, curvou-se com essa tristeza que tomou conta do país. Eu, pessoalmente, tenho uma sensação de perda indescritível, por ter conhecido essas cidades, e por ter vivido alguns dos melhores momentos da minha vida em Friburgo.
A dor é grande, perdi dois amigos e me comovo diante de tanta destruição. Os que ficaram, estão convivendo com tudo isso de uma forma, eu diria, hercúlea.
Mas é bacana ver essa tal de solidariedade brotando espontaneamente nas pessoas. Hoje no trabalho, teve arrecadação de dinheiro para comprar água. Eu já arrumei meu lote de roupas para levar aos desabrigados, e não satisfeita, já me comprometi como voluntária na Cruz Vermelha no feriado de quinta feira. Quero fazer tudo o que puder, doar sangue, embalar mantimentos e, se possível fosse, até faria parte de uma das equipes de resgate.
Cansei de ver tragédias semelhantes pelo mundo afora pela TV, mas essa, particularmente, me atingiu em cheio. Perguntariam-me por que, e eu diria que talvez, por conhecer e gostar muito daquelas bandas de lá. Talvez também por ter escolhido como meu segundo lar, assim que fosse possível, e por que não, um lar definitivo num futuro próximo da minha vida.
Agora, o paradoxo: diante de tanta atitude de bem, temos que conviver com o mau caratismo, que mais parece uma praga, uma doença que não tem cura e aparece quando menos se espera. Quando todos estão preocupados em sobreviver, surgem os espertos com a coragem de roubar os donativos destinados aqueles que perderam muito, senão tudo.
Isso é uma tragédia à parte. Desse grupo fazem parte alguns "comerciantes" que passaram a vender água SETE vezes mais caro. Esse tipo de gente deve ser psicopata, pois não é assim que os psiquiatras denominam as pessoas que nada sentem diante de algo muito grave? Pois bem, vamos conviver com isso também. Dizem que faz parte do jeitinho brasileiro" de sobrevivência, então vem tudo no mesmo pacote: a solidariedade e a pilantragem.
E pra coroar essa definição esquisita, ainda temos um governador que se deu ao trabalho de renovar o contrato com o tal centro espírita Cobra Coral, pra que as entidades que lá frequentam, fizessem parar de chover. Isso é que é dar jeitinho...

7 de janeiro de 2011

Politicamente correto

Recebi isso por e-mail. Concordo, sob um aspecto, e discordo sob outro. O importante é que o texto é muito interessante, e vale a pena ler para refletir. Principalmente, refletir...

O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA

Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto.

Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha.
Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil.
Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.

Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias o u coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não.
Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

Abraços,
Luiz Antônio Simas

(Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio).

1 de janeiro de 2011

Harmonia

A festa do reveillon é uma festa como outra qualquer. Deve ser animada e divertida como uma verdadeira festa, e a isso elas todas se propõem. A festa do ano novo tem a diferença de ser aquela festa grande, da qual a maioria das pessoas participam, a qual todas sabem que está acontecendo, e na qual todas têm os mesmos desejos e esperanças.
A minha festa foi exatamente assim: animada, divertida e feliz. E apesar dos problemas que persistem na minha vida e na de todo mundo, mesmo quando o ano começa e eles continuam existindo, fui tomada por tanta felicidade que resolvi adotar uma palavrinha simples que pudesse lembrar ao longo desse novo ano: harmonia.
Pensei na harmonia porque a identifico como algo que pode ter a força de transpor barreiras, de amenizar conflitos, trazer paz. Quando se está em harmonia consigo mesmo, entra-se em harmonia com tudo à nossa volta. É mais ou menos como não entrar em pânico diante de situações difíceis, pois assim conseguimos superá-las.
O movimento da festa era bacana, deu para perceber o sentimento de renovação que se apropriava das pessoas, que mesmo quando não se conheciam, sorriam e interagiam felizes umas com as outras.
Claro que o local contribuiu, e muito. Uma mesa ao ar livre, no meio das árvores de um parque maravilhoso, num quiosque todo decorado em que o DJ que caprichou nas músicas fez todo mundo dançar. Aquilo, pra mim, era harmonia.
Entretanto, a gente não pode esperar que todos estejam assim. Claro que alguém pode estar numa sintonia diferente, azedar o ambiente e gerar um pequeno conflito. Isso também faz parte da festa, de qualquer uma.
Daí presenciei uma situação que não combinou com a harmonia a que me refiro. Alguém, num grupo de amigos, ficou sem cigarros no final da festa. E, como todo fumante, desejou mais um, talvez para acompanhar a saideira. Na minha opinião, um desejo muito simples. Pediu o cigarro à companheira da mesa, que também fumava. Ela lhe entregou o maço com um cigarro dentro, quando ele perguntou se era o último que ela tinha e se não se importava em doá-lo. A reposta dela foi um gesto de mão, tipo fazer o quê"?
Essa resposta me pareceu ambígua. Se ela não queria dar seu último cigarro a ele, penso que a franqueza seria de bom tom (como toda a franqueza que os amigos devem ter entre si). Se deu, deveria ter dado numa boa, sem comentar depois que o amigo não poderia ter filado nada. Ele que tivesse seu maço reserva, que viesse prevenido, ou que não fumasse mais.
Penso que um cigarro é muito pouco pra ser reclamado, principalmente num momento de confraternização. E ele só pediu um, não foi o maço inteiro...
Por isso, meu desejo de harmonia é legítmo. Para que as pessoas não reclamem de ter que dar alguma coisa, com ou sem importância. Para que as pessoas não sejam msquinhas e não economizem gentilezas para com o próximo, seja ele amigo de longa data ou apenas alguém que compartilhe com elas momentos felizes como este do reveillon. E, principalmente, para que todos consigam parar de fumar.