29 de maio de 2010

Suicídios trabalhistas

Recebi um e-mail relatando os casos de suicídio que são cometidos na China, particularmente suicídios "trabalhistas", e que têm ocorrido na fábrica chinesa Foxconn. Pra quem não sabe, a Foxconn é a empresa que monta o Ipod, da Apple, além de consoles de jogos, câmeras digitais, telefones celulares e computadores da Sony, Dell e Nokia, entre outros.
A causa disso? Condições de trabalho ruins, excesso do mesmo, desilusão com os governantes e os próprios empregadores, rotina e por aí vai.
A mensagem conta que uma repórter de 22 anos trabalhou lá disfarçada e relatou turnos de 12 horas. "O complexo é do tamanho de uma cidade e possui dormitórios, lojas, restaurantes, um corpo de bombeiros próprio e agora existe um serviço de apoio psicológico para os que pensam em se matar. Segundo a reportagem, os operários são acachapados pela a monotonia dos trabalhos repetitivos, até mesmo andando e comendo ao ritmo do barulho das máquinas." Alguém lembrou do filme "Tempos Modernos", de Charles Chaplin?
Uma amiga havia me falado meses atrás sobre o que estava acontecendo na França, dessa vez na empresa France Telecom. Talvez com melhores condições que a fábrica chinesa, a France Telecom, que era estatal, ao ser privatizada adotou medidas que estimulavam a competitividade, aposentadoria, demissões voluntárias e prazos curtos para o alcance de metas. Aí vieram, junto a isso tudo, os suicídios.
Em 2007 já havia ocorrido uma discreta onda suicida na Renaut, também francesa. Trechos das cartas que os funcionários escreveram antes de morrer, responsabilizavam o excesso e a pressão do trabalho, coisa considerada um stress profissional.
Hoje aqui no Brasil, ouço casos de jovens trabalhadores que, motivados pela ascensão profissional que reboca a social, grana e poder, transformam suas vidas num verdadeiro empreendimento de busca do inalcançável. Eles trabalham nos finais de semana, levam trabalho pra casa ou envolvem-se em atividades profissionais e cursos que nem sempre conseguem concluir proveitosamente (basta o certificado, para melhorar o currículo). Para esses jovens, trabalhar excessivamente seria sinônimo de, a curto prazo, conseguir um bom carro, morar num lugar bacana, viajar pelo mundo, vestir-se bem e serem conhecidos e respeitados. Tentam adquirir bens que a geração anterior teria demorado mais tempo para conseguir, e invariavelmente, ocupam cargos para os quais não estão preparados.
Numa sociedade que estimula o consumo desenfreado como a nossa, quanto mais se adquire, mais se tem valor. Muitos da minha geração talvez já tenham passado por isso pois o consumismo sempre existiu por aqui, embora os valores estejam hoje em dia bem distorcidos. Acontece que muita gente "mais velha", agora está sucumbindo ao desapego. Uns já conseguiram o que queriam, outros já têm o que precisam, muitos já não querem mais e o fato é que, para um empregador capitalista, mais vale um jovem ambicioso que um profissional experiente que talvez se incomode mais com as horas extras.
Foi o que aconteceu a uma amiga, que perdeu os pais num breve intervalo de tempo e foi duramente pressionada no trabalho por não atingir suas metas. A ela não foi dado o tempo necessário à sua dor nem à sua readaptação, apenas o tempo burocrático, aquele que a CLT permite. Felizmente ela não cometeu suicídio, apenas pediu demissão e abriu sua própria empresa. Espero, de coração, que esteja bem.

21 de maio de 2010

Brothers desesperados

Inevitável comparar. Depois de um daqueles papos sobre a programação da TV, passando pelas novelas, pelo Silvio Santos e o Faustão, chegamos ao Big Brother e tudo o que ele representa. Aí eu fiquei sabendo de um filminho básico, antiguinho até (1969), do grande Sydney Pollack e com nada menos que a Jane Fonda.
O filme se chama a Noite dos Desesperados, e rola numa das piores épocas dos Estados Unidos, a crise de 1929. Alguns podem achar que o pior momento americano foi a partir do 11 de setembro, mas eu considero que a recessão fez mais vítimas que o ataque terrorista. Não importa, acabei foi comparando a história daquele filme do século passado, com o que acontece hoje aqui no Brasil e, por que não dizer, no mundo todo.
A situação era a seguinte: pessoas (desesperadas) corriam atrás de sua sobrevivência de todas as formas possíveis e algumas, como a Jane Fonda, foram parar numa maratona desumana de dança, onde precisavam dançar quase ininterruptamente durante tantas horas aguentassem. O casal vencedor saia com 1.500,00 dólares, descontadas as despesas de roupa, médicos e alimentação. Claro que muitos não sabiam dos descontos, e a maioria estava ali somente para receber as refeições.
Era realmente desesperador, e mesmo sendo um filme, não me passou tão perto da ficção. Basta assistir ao Big Brother e àquelas provas de resistência absurdas, tanto físicas como psicológicas. Entretanto, há uma diferença. No filme, as pessoas eram famintas, pobres, desamparadas e doentes. A crise gerou tudo isso. Hoje, nos Big Brothers, os concorrentes são sarados, saudáveis e têm um teto. Apénas querem seu pequeno milhão e, pra não dizer, mais que a grana, a fama.
Já citei a frase de uma amiga, que dizia que as pessoas fazem qualquer coisa por sexo, poder e dinheiro. E o Big Brother te dá tudo isso mesmo que vc não ganhe, bastando apenas aparecer ali naquela casa.
No filme, o diretor da maratona transformava os participantes em personagens, expondo seus dramas pessoais para estimular o imaginário do público que assistia. Isso dá ibope.
Alguém já descobriu a manipulação que também rola no reality show de hoje. Casais são estimulados a ficarem juntos, um mais estouradinho vive o personagem durão e briguento da casa, tem o antipático, o simpático, o politicamente correto, e por aí vai. Na última edição havia dois homossexuais assumidos e um homofóbico que acabou vencendo. Seria coincidência essa condição tão paradoxa e geradora de polêmica, que também dá ipobe?
Talvez sim, mas eu não quero nem pensar se um dia o Brasil venha a viver uma crise como a que os Estados Unidos viveram naquela época. Quando a maioria das pessoas perderem todos os seus bens e realmente estiverem sem ter o que comer e onde dormir, o que não terão que fazer para conseguir uns trocados?

6 de maio de 2010

Preciosa

Há muito um filme não me comovia como o que assisti recentemente, Preciosa. Gostei do desempenho dos atores, gostei da direção e do roteiro, da fotografia e muito, mesmo, da trilha sonora, pois sou fã da música negra americana. E apesar de todo aquele drama existencial, perceber a esperança e o humor que persistiam na história de vida da garota.
Vemos tantas Preciosas por aí... quantos adolescentes não têm sonhos que são destruidos pela sociedade ou até pela própria família? Quando conseguem alcançar ao menos um deles, são sobreviventes e, quem sabe, heróis.
Hoje, próximo ao dia das mães, reflito sobre isso. Conheci um cara que foi criado por uma mãe adotiva, e já adulto, me disse que sua mãe verdadeira o havia procurado. Ele não quis papo com ela.
Na época, fiquei triste com aquela decisão, pois sempre ouvi por aí que "mãe é mãe", e imaginei sua mãe biológica sofrendo, querendo talvez reparar algum erro do passado mas ele não lhe dando essa chance. Hoje percebo que não podemos condenar ninguém se não temos conhecimento dos fatos. Não sei o que ela fez a ele além de não assumí-lo e essa resposta, só ele tem e a ele cabe decidir.
A maioria de nós foi criada com aquele bordão da igreja de que perdoar é divino, mas até quando devemos aplicá-lo e conviver com alguém que nos fez algum mal? Até que ponto nossa dignidade e nossa sobrevivência se torna menor do que isso? Como pode uma criança ser obrigada, por exemplo, a conviver com alguém que abusa dela, seja sexualmente ou moralmente?
Tirando o caso da procuradora que adotou uma menina para torturá-la, notório por causa da mídia, existem milhares de famílias tortas pelo mundo afora, pais biológicos ou adotivos e parentes cruéis desequilibrando pequenos seres humanos que ainda não sabem o que vieram fazer aqui. Muitos desses "responsáveis" às vezes, não percebem o que estão fazendo, e não têm consciência de que qualquer atitude que tomem pode desencadear traumas e traumas por toda uma vida.
Não sei o que foi feito da Preciosa do filme, já que a obra foi baseada numa história real. Mas sei o que acontece no meu país e na minha cidade, com tantas crianças nascendo de outras crianças, tão desamparadas como elas e que um dia, também venham a se tornar sobreviventes.