Essa história de desabamentos por causa da chuva se repete ano após ano. Assim como São Paulo e Santa Catarina, agora foi a vez do Rio de Janeiro. Parece até uma coisa cíclica, cada estado tem a sua vez, como uma roleta russa do destino que escolhe o momento para cada lugar.
Sempre se discutiu as causas para essas tragédias, e sempre se chegou as mesmas conclusões: ocupação irregular, lixo nas encostas, desmatamentos. E hoje houve muita discussão entre os colegas do trabalho enquanto almoçávamos com o RJTV mostrando aquele monte de gente desabrigada, procurando seus próximos debaixo da lama. As cenas do morro de Niterói com quarenta casas soterradas foi de fazer perder o apetite, e o papo era o mesmo que eu já cansei de ouvir quando acontecem coisas assim: de quem é a culpa?
Li em algum lugar, que o Governador Sergio Cabral culpou os próprios moradores, aqueles que construiram suas casas num terreno que serviu de lixão. A terra era fofa, não dava pra fazer um barraco com segurança. Mesmo assim, eles invadiram o terreno e lá ficaram...
Não nego a responsabilidade dessa gente, assim como não me cabe julgar suas atitudes de resolverem viver ali. Imagino os seus motivos, que devem ser os mesmos de outras milhares de pessoas que não têm onde morar. Mas questiono muito o texto do Governador.
Nas reportagens, ficou claro que a Secretaria de obras fez, em 2005, um levantamento das áreas de risco na região metropolitana do Rio. E se esse levantamento existe, que providências o Estado tomou para evitar esse tipo de tragédia?
Se o morro de Niterói era, sabidamente, um local impróprio para assentamentos, como essa gente conseguiu construir lá suas frágeis casinhas? Uma casa não é levantada da noite pro dia, e havia um monte delas, imagino quase uma centena, porque se quarenta foram soterradas...
No início dos anos 80, eu participei do Projeto Rondon em uma cidade no interior de Campos, chamada Barcelos. Não havia asfaltamento nessa cidade, as pessoas eram bem humildes, poucas possuiam sequer uma TV, e algumas comunidades sem energia elétrica. A nós, estudantes, cabia ensinar-lhes dicas básicas de higiene e saúde, visto que a maioria sofria com doenças causadas justamente pela falta desses dois itens. Vi crianças excessivamente desnutridas com sintomas de verminoses, pessoas com doenças de pele, complicações intestinais, renais, e um monte de mulheres grávidas que não tinham a menor ideia de como tomar anticoncepcionais.
Ensinávamos a lavarem as mãos, a ferver a água dos poços para beber e cozinhar, a cuidar dos alimentos, a fazer soro caseiro, enfim. Coisas que não acreditávamos que alguém não tivesse a noção de que era preciso fazer. E eles, realmente, não sabiam. Eram os sem noção.
Por causa disso, imagino essas pessoas que agora, igualmente sem noção, construiram casas em locais inapropriados. Assim como o pessoal de Barcelos, esses também não sabiam. Ninguém apareceu ali pra avisar, ninguém os proibiu, assim como não lhes foi dada outra escolha. O Governador, o Prefeito e algum político talvez já tivesse ido na tentativa de angariar votos, mas explicar àquela gente que ali não era seguro, acredito que isso não fizeram.
O Estado teve recursos para fazer o tal levantamento, tem recursos para construir complexos habitacionais onde não há tanto risco, e vai conseguir recursos pra sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Até lá, quantas chuvas não haverão de cair, quantas casas não desabarão ou quantos não morrerão soterrados?
Talvez, daqui a mais 5 anos, eles façam outro levantamento mostrando áreas de risco que hoje ainda não existem. E veremos, na TV, outras tragédias e ainda, outro Governador isentando-se da sua parcela de responsabilidade.